Avançam o barco e a baleia, no seu oceano vazio, silencioso, inóspito. Na azulada imensidão de suas existências, avançam o barco e a baleia, donos de si mesmo, livres para navegar, livres para avançar; a baleia e o barco.
Qual a tamanha diferença entre o barco e a baleia? Quais são as vicissitudes, as idiossincrasias, os pequeninos detalhes que separam os dois gigantes? Seriam as máquinas de ferro e aço do barco? Seriam, os grandes dentes da baleia? O casco de metal inoxidável? O coração pulsante, rápido, extremo?
Porque?
E vão avançando o barco e a baleia, e os dois agora debatem a colossal distância que entre os dois se impõe: as milhares de eras que tiveram de ser vividas para que aquele encontro se realizasse. Discutem o barco e a baleia sobre suas vidas opostas, incompatíveis; sim, o oceano é grande, o mar é vasto, mas somente um deles poderá navegar por aquelas águas. É possível, será possível, que ambos possam desbravar, juntos, as águas jamais descobertas de seus diferentes mundos?
Não.
De repente o barco se despede da baleia; aquela é uma batalha, sim é uma batalha, o amor entre os dois é uma batalha, e o barco acaba de vencê-la. De seu luminoso casco, orgulha-se o barco de ser barco, da sua perfeição extrema, a rotação calculada do seu motor, das suas manivelas esmeradamente posicionadas. À baleia fica o acaso da vida, o acaso da existência que se impõe a todos os seres vivos, o acaso de seu destino trágico e cruel.
Avança o barco no oceano vazio. A baleia à deriva, lamentando o imprevisto de sua vida. Com um último grito de desespero – aquele choro das baleias que é desespero, que só pode ser desespero -, lamenta o infortúnio de sua vida. Lamenta a sua vida. E o barco.
(inspirando por esta notícia)