segunda-feira, 28 de abril de 2008

251 a.C.

É noite e faz frio. Isso, porém, não impede que a alvoroçada multidão se reuna ali para apreciar aquele grotesco espetáculo de luz e som que apenas se forma à sua frente. Passam agitados, muitos gritam e alguns riem, mas não há nada de engraçado acontecendo por ali naquele momento. É uma risada abafada, quase culpada, acompanhada de um sorriso sádico e irônico e de um ignorante, mas satisfatório, sentimento de prazer.
Toda a energia acumulada durante a semana, durante o ano talvez, é usada e extravasada durante aquele momento ímpar. E olha que o espetáculo ainda nem começou. A platéia continua agitada, não parece se cansar e nem pára por um minuto. Ela é cada vez maior. Por entre as fileiras de homens, mulheres e crianças que esperam ansiosamente por aquele ritual sanguinolento, vendedores ambulantes passam para vender seus produtos.
Por hora se faz silêncio; noutras, a gritaria parece reinar. A baixaria, contudo, é uma constante durante todo o evento que prossegue noite e dia adentro. Homens da justiça são logo chamados para conter a euforia acumulada, mas estes também logo seu unem à platéia insana.
As portas finalmente se abrem e o show vai começar. A multidão corre ensandecida para pegar os melhores lugares do camarote. E, sim, finalmente, lá estão eles, os indivíduos que agora irão digladiar-se naquele antro de baixas intenções, até a morte talvez! Os seres mais baixos, sim, eles merecem passar por isso, ah, como eles merecem! O alvoroço do agrupamento ganha proporções épicas ao ver aquele duelo entre seres humanos de tão baixo nível, tão inferiores, que, se não conseguirem se matar entre si, serão mortos pela sociedade, pois todos que estão nela presentes têm o direito e o dever de eliminá-los de sua pacífica e perfeita convivência. Xingam, soltam incontáveis palavrões, se pudessem também pulariam e entrariam na batalha, com força e intensidade para matar - sim, eles vão matar - esses seres-humanos - ah, eles nem mais seres-humanos são, e a verdade é que nós somos tão melhores que eles.

Parece uma história de 251 a.C, mas é o que acaba de acontecer, e, pelo que me acomete, estamos no século XXI.

sábado, 26 de abril de 2008

Memórias póstumas

O mais triste e trágico desse blog é que ele já nasceu morto.
Ele nasceu morto porque ele foi criado no já distante dezembro passado. É. E estamos em abril. Nasceu morto porque ele veio de uma idéia morta, ultrapassada e antiquada (estamos na era do YouTube e essa gente ainda faz blog!). Nasceu morto, sobretudo, porque ele simplesmente nasceu. Morto. E nada foi feito para salvá-lo desse fúnebre estado de morte morrida. Nenhum movimento emergencial, desesperado, de revivê-lo. Nenhum enterro às pressas. Morto sem deixar herdeiros. Criado apenas, foi deixado lá, em seu mais latente estado de puro óbito. Nada foi avisado, noticiado, estipulado, planejado. Morto apenas.
Como o objetivo da reinvenção é exatamente o de evitar obviedades, talvez a morte seja um bom começo para esse blog. Não é tão anormal assim, em fato. Nessa sociedade onde blogs nascem mortos e crianças morrem vivas, talvez de fato se torne necessário reinventar nossa noção de mundo. Observar que começar morto é um belo começo para um blog que poderia ter começado de centenas maneiras mas que, por uma ironia do destino e uma dose de preguiça humana, resolveu começar morrendo.
O próprio fato da morte traz uma série de vantagens. Pelo menos jamais alguém poderá reclamar "mas e o seu blog? morreu?", porque ele já está falecido faz tempo. Talvez, nesse caso, a pergunta mais primordial seja "mas e o seu blog? quando vai nascer?". É esse o momento que mais vivemos esperando em nossa existência. O nascimento de nossas vidas. Vivemos mortos e ainda estamos a esperar pelo dia em que nasceremos. O nascimento é, de longe, muito mais incerto que a morte. Talvez jamais nasçamos. Talvez jamais alguém tenha nascido. Talvez isso ainda demore muito para acontecer.
Portanto, por hora, enquanto ainda não nascemos, vamos apenas nos reinventando.